O
sentimento separatista entre os habitantes do Rio Negro tornou-se mais intensa
a partir do grito de independência do Brasil. A elite política regional,
insatisfeita com a vinculação político-administrativa da região a província do
Pará, que, segundo suas queixas, atravancavam seu desenvolvimento econômico,
tanto pela distância geográfica, quanto pelo abandono político, ansiavam por
sua autonomia com a criação da Província do Rio Negro. Uma das justificativas
de Dom Romualdo de Seixas que, em 1826 apresentou à Câmara dos Deputados o
primeiro projeto para a criação da província do Rio Negro, era que a
agricultura e as indústrias da região se encontravam em ruínas por dois motivos
centrais: o primeiro pela dificuldade do governo paraense em administrar uma região
tão remota, e o segundo, deste mesmo governo, propositalmente, dificultar
medidas benéficas adotadas pelos administradores da comarca, por ciúmes ou questões pessoais.
Quando instaurados os
conflitos emancipacionistas e, posteriormente, a integração do Pará ao Império
brasileiro, não se estranhava a expectativa do alto Amazonas tornar-se uma
província imperial, sobretudo quando, na Constituição de 1824, outorgou-se que
o Império do Brasil seria organizado em províncias, tal qual já se configurava.
Porém, para frustração da elite do Rio Negro isso não se confirmou. Por decreto
de 26 de março de 1824, com o objetivo de definir a representatividade política
das províncias no novo regime, delimitou-se o número de deputados de cada
unidade administrativa para compor o Poder Legislativo central, ficando o Rio
Negro de fora, compreendendo-o assim, subjugado a Junta Provisória de Governo
do Pará.
Levante
separatista na Barra do Rio Negro em abril de 1832
Os acontecimentos de 1831,
com a deposição de Visconde de Goiana e o acirramento das rivalidades políticas
entre liberais radicais e liberais moderados, proporcionaram à região condições
favoráveis a retomada de seu objetivo de emancipação. Isso se deu, em grande
medida, pela forte circulação de ideias liberais, agregando-se às demandas
específicas, evidenciadas nestes anos de conflito, assim como a presença de
muitos presos políticos que, remetidos às fortalezas-presídios como Crato
(Manicoré, rio Madeira) e de São José de Marabitanas (alto rio Negro), fugiram
e refugiaram-se na região. As deportações desses presos políticos, os patriotas,
para a região, assim como suas fugas pelo interior adentro, possibilitaram a
ampliação de uma rede de aliança para o combate, promovidas entre cidadãos
dissidentes e índios, tapuios e suas misturas. Sob esta conjuntura, ocorreu o
levante separatista na Barra do Rio Negro em abril de 1832. Iniciado como uma
revolta militar da tropa de 1ª linha com algumas praças de 2ª linha
insatisfeitas com o atraso do pagamento de seus soldos, em 12 de abril de 1832,
o movimento logo assumiu proporções maiores. Os levantados tomaram para si
armamentos e as munições, e assim ganharam as ruas em toque de rebate.
Visando conter os
insurgentes, o comandante militar do Rio Negro, o coronel Joaquim Filipe dos
Reis, correu ao quartel, ordenando que a tropa depusesse as armas e findasse a
revolta. Sua ordem não obteve o êxito desejado, e o comandante acabou
assassinado pelos levantados. Com a morte de Joaquim dos Reis, assumiu o
comando em seu lugar o coronel de origem italiana Francisco Zany. Este coronel
tomou certas providências que não agradaram a tropa levantada, dentre elas, o
recolhimento ao trem de Guerra das armas e munições, e a despensa dos
milicianos, considerados desnecessários ao serviço militar. Alvo de um
frustrado atentado, Zany se viu obrigado a retirar-se para sua fazenda, assim
como os moradores brancos que debandaram da vila. Os soldados vitoriosos,
liderados pelo soldado Joaquim Pedro da Silva, voltaram a apoderar-se das armas
e das ruas, tomaram o cofre público e dividiram o dinheiro entre si como
pagamento dos soldos atrasados. Também tomaram alguns armazéns, sem constar
roubo a moradores. De levante militar por insatisfação de pagamentos atrasados,
o movimento ampliou-se e assumiu um caráter separatista.
Os levantados reuniram-se
no dia 22 de junho de 1832 em um Conselho Extraordinário, para deliberarem
providências necessárias, a fim de responder às queixas contra as autoridades
da capital da província.
Estabelecidas as providências
que deveriam ser tomadas a fim de consolidar a emancipação do Rio Negro e
transformá-lo em província, frei José dos Santos Inocentes rumou pelo rio
Madeira em direção ao Rio de Janeiro com o intento de levar à Corte as
deliberações do Conselho Extraordinário. Quando alcançou a província de Mato
Grosso sua viagem foi interceptada. Por ordem do presidente, viu-se obrigado a
retornar, sofrendo censura por parte do governo imperial por ter assumido tal
responsabilidade, já que “era um religioso e deveria obedecer às leis
imperiais.
A insatisfação e as
queixas ante o descaso do governo provincial em Belém era uma tônica nos
sentimentos dos habitantes da região do médio Amazonas como um todo, não só na
região do rio Negro. Assim, a comarca do Baixo Amazonas também depositava suas
inquietudes em correspondências e relatórios de autoridades locais. Em 1832, um
relatório redigido pelo vereador da Câmara de Óbidos, Martinho da Fonseca
Seixas, dava conta do sentimento de insatisfação das autoridades e comerciantes
locais ao estado de subordinação da região do baixo, médio e alto Amazonas à
província do Grão-Pará. Alegava prejuízo na expansão da produção agrícola,
sobretudo do cacau, devido à distância da região aos portos e alfândega em
Belém. Isso encarecia o valor da arroba e desencorajava o investimento em seu
cultivo. Também criticava o comércio local, afetado pela concorrência desleal
dos regatões. O comércio realizado pelos regatões favorecia, na maioria das
vezes, os negociantes estrangeiros, na medida em que, os produtos
comercializados nesta atividade eram adquiridos de comerciantes em Belém que,
por sua vez, os compravam de estrangeiros.
É interessante perceber
que o sentimento antilusitano assumia várias faces. Aqui ele era caracterizado
pelos conflitos regenciais no Grão-Pará e no Brasil, e construído não só pelo
anseio da emancipação política da elite paraense, mas também pelo anseio de
emancipação social das camadas populares e em torno de questões econômicas.
Mesmo alcançando a Independência,
os principais ramos da economia local atendiam aos interesses de uma parcela da
elite local composta principalmente por brancos de origem lusitana e outros
estrangeiros, ingleses principalmente, inclusive o comércio dos regatões.
Diante disso, não é difícil estranhar as queixas do vereador obidense às
atividades dos regatões, estendendo-as ao controle econômico português, assim
como também não é de se estranhar que, com o envio de reforço militar pelo
governo central ao alto Amazonas, muitos agentes da sublevação de 1832 se
dispersaram pela região, se refugiando entre os Mura e/ou alcançando as vilas
da comarca vizinha, o Baixo Amazonas. Após intenso ataque da expedição militar
enviada por Belém para derrotar os levantados do Rio Negro, dos que não
morreram em combate, muitos foram presos e outros fugiram e se dispersaram
pelas vilas do médio Amazonas.
Diante dos desdobramentos
do levante de 1832 com a dispersão e o alargamento de ações mais radicalizadas
e, especialmente a consolidação do sentimento separatista dentre os habitantes
da região, o governo provincial adota uma postura cada vez mais comum dentre a
elite dirigente no Grão-Pará, recorrer às vias institucionais para solucionar e
controlar conflitos sociais e políticos. O então presidente José Joaquim Machado de Oliveira
solicitou ao governo imperial no Rio de Janeiro posicionamento e solução para a
crise enfrentada no Rio Negro.
Assim, em 1833, para
coibir conflitos e retomar o estado de tranquilidade e paz, para as elites
locais (cabe a ressalva), Machado de Oliveira propõe, como alternativa aos
embates armados, uma autonomia restrita da Comarca do Alto Amazonas ante a
província do Grão-Pará, como uma província de 2ª Ordem. Isto quer dizer que a
região do rio Negro teria uma administração pública independente do governo em
Belém, mas continuando subalterno ao presidente do Grão-Pará, sendo este
responsável por nomear a primeira autoridade do Alto Amazonas no Conselho
Provincial.
Era fundamental para
Machado de Oliveira que as instituições representativas do Império discutissem,
se posicionassem e apontassem soluções ante a crise instalada. Vimos em
parágrafos anteriores que transferência para o Parlamento em Belém e no Rio de
Janeiro dos embates pela emancipação do Rio Negro vinha se configurando desde
1826, com a exposição do projeto separatista apresentado pelo deputado paraense
Dom Romualdo de Seixas em 27 de maio. Na ocasião, a principal dificuldade
encontrada pelo deputado e sua base aliada em conseguir apoio para o projeto
foi convencer o plenário da importância de uma medida fundamentalmente
regional.
Era necessário apontar que
a separação traria vantagens para toda a nação. E assim procedeu dom Romualdo
na defesa de sua emenda. Dentre as necessidades levantadas por ele, a
preocupação com a defesa do território nacional, pelo fato da região possuir
uma extensa área de fronteira, a questão da escassez populacional, e, por fim,
a situação precária da agricultura e indústria da região penosa por falta de
investimentos vindos de Belém. Porém, as preocupações levantadas não foram
suficientes diante os custos que o Império teria na criação de uma nova
província, onerando os já desvalidos cofres públicos, como argumentavam os
deputados contrários à separação. Entre leituras e releituras, o projeto
tramitou na Câmara, por várias comissões avaliativas, até ser aprovado em
primeira discussão (modificado de sua proposta original) na sessão de 17 de
maio de 1828.
A partir daí, seguiu para
o processo da análise artigo por artigo, espaço este destinado a discussão de
alterações e debates do projeto, o que foi feito na sessão de 2 de junho de
1828. Após estes debates, o projeto foi remetido às comissões da fazenda e de
guerra para que se discutisse e solucionasse os últimos impasses. Nestas
comissões o projeto permaneceu por um bom tempo, significando seu temporário
abandono, ficando a proposta de criação da província do Rio Negro esquecida até
1839, quando foi retomada com um novo projeto, desenrolando os debates até
1843.
Assuntos de gravidade, quais os da pacificação do
Império, ameaçado de desmembramento, e altas questões partidárias absorviam as
cogitações dos políticos e dos administradores, de sorte que só em 1839 voltou
a ser objeto de atenção o aspirar da comarca. Prestigiou-o, solidarizando-se
com ela, o doutor João Cândido de Deus e
Silva, outra figura de relevo no cenário imperial, justificando a 03 de
agosto, com sólida argumentação, um projeto criando a Província do Rio Negro,
que seria de segunda ordem. Defendendo-o, aquele parlamentar evidenciou ao lado
de outras razões, a necessidade de aparelhar aquelas paragens, nos lindes com
nações estrangeiras, para que não tivéssemos, um dia, de sofrer surpresas
desagradáveis. A soberania do Brasil exigia aquela providência que agitava.
O assunto, palpitante, foi debatido. Argumentava-se
que a comarca não dispunha de rendas suficientes para atender à suas despesas,
uma vez restabelecida como província; não estava aparelhada com pessoal capaz
para o preenchimento dos cargos públicos. A própria assembleia provincial
poderia ser organizada? A agricultura, a indústria, a navegação, o comércio,
tinham desenvolvimento bastante? Esqueciam os que combatiam a ideia ser
justamente a necessidade de levantar a região, dando-lhe todos os meios de
vida, para civilizar a população,
indígena em sua grande totalidade, o motivo básico da campanha pela medida
suplicada. O projeto, a 31 de agosto, sob número 111, passou a discussão, mas
esta adiada sempre, esquecida, só em agosto de 1840 teve a primeira aprovação.
Findando os conflitos
armados da cabanagem e desmobilizado os últimos focos cabanos, já adentrando a
década de 1840, a defesa pela separação da região do alto Amazonas da província
do Pará se apresenta entre a elite local sob um novo panorama – uma região
assolada pelos conflitos do período cabano, que se encontrava diante de
projetos que visavam o desenvolvimento da região com o reflorescimento de sua
economia. É neste contexto que o militar João Henrique de Matos elaborou seu
relatório, em uma viagem expedicionária que realizou por ordem do governo
provincial para o Rio Branco, região de fronteira e de pontos contestados com o
governo britânico, onde enfatizou a necessidade da criação da nova província.
Sob as ordens de Bernardo
de Souza Franco, então presidente da província, em 1842 uma comissão foi
formada para analisar os pontos contestados sob o comando de Henrique de Matos.
Em seu trajeto, o militar elaborou um relatório de viagem, onde abordou sua
impressão dos locais por onde a comissão passou, sobretudo, o alto Amazonas,
origem de seu nascimento. Num tom abertamente crítico, Matos denunciou o estado
de abandono em que se encontravam as vilas e freguesias da comarca do Alto
Amazonas, apontando responsáveis, e propondo soluções. Dentre o conjunto de
soluções possíveis uma se destacava, a separação da região do Grão-Pará, e a
criação de uma nova província. Retomando o projeto separatista, Matos correlacionou
a crise em que passava a comarca à falta de apoio e investimento por parte de
Belém, além da herança fúnebre deixada pela Cabanagem.
A ideia ganhava terreno, dia a dia, com a amplitude
votada pela câmara em 1843, ou na restrição desejada pelos paraenses. Seria
vencedora, não restava dúvida.
João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha,
reeleito deputado pelo Pará, preocupado com o assunto e com o problema da
navegação do rio Amazonas, empenhou-se na corte. O senado moveu-se. A 22 de
junho, o projeto de 1843 veio a debate. Os velhos e inexpressivos argumentos de
combate sustentados na outra casa do Congresso tornaram a vigorar. Nicolau
Pereira de Campos Vergueiro, Visconde de Vergueiro, da bancada paulista, falou
contra. Percebeu-se facilmente o motivo. A comarca de Curitiba, parte da
província de São Paulo, também se ensaiava nos desejos de autonomia. Fosse
criada a do Amazonas, o Paraná tinha de ser amparado na pretensão, de que a
câmara já tomara conhecimento e agora o senado, através de um aditivo.
O senado recusou as ponderações de Campos
Vergueiro, aceitando o ponto de vista do restabelecimento da Província,
rebaixada após a Independência, portanto a reparação que tanto tardava. Aprovou
o projeto, em 28 de agosto. Subindo à sanção, o governo imperial não se mostrou
indeciso. D. Pedro II, referendado pelo ministro do Império, Visconde de Monte
Alegre, pela lei 592, de 05 de setembro de 1850, satisfez a maior aspiração da
comarca.
A Província do Amazonas teria a mesma extensão e
limites da antiga comarca do Rio Negro e não do Alto Amazonas, isto é, os
baixados a rigor por Mendonça Furtado, em 1758.
O problema a resolver agora era o da escolha do primeiro presidente da nova unidade administrativa. Souza Franco, Tenreiro Aranha, os outros amazônidas dos embates parlamentares, João Henrique de Mattos e João Ignácio Rodrigues do Carmo, amazonenses ilustres, estes dois últimos, aos quais a nação devia valiosíssimos serviços públicos e profissionais, mereciam confiança, estavam apontados para o cargo. O governo não vacilou. Nomeou Tenreiro Aranha a 07 de julho de 1851.
O problema a resolver agora era o da escolha do primeiro presidente da nova unidade administrativa. Souza Franco, Tenreiro Aranha, os outros amazônidas dos embates parlamentares, João Henrique de Mattos e João Ignácio Rodrigues do Carmo, amazonenses ilustres, estes dois últimos, aos quais a nação devia valiosíssimos serviços públicos e profissionais, mereciam confiança, estavam apontados para o cargo. O governo não vacilou. Nomeou Tenreiro Aranha a 07 de julho de 1851.
Referência:
BARRIGA, Letícia Pereira. Espírito de revolta e separação – o Rio Negro e sua luta por uma nova província na primeira metade do XIX. Florianópolis: XXVII Simpósio Nacional de História, 2015.
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