1. (Cftmg 2017) Fuga
Mal o pai colocou o papel
na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um
barulho infernal.
– Para com esse barulho,
meu filho – falou, sem se voltar.
Com três anos já sabia
reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava
fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.
– Pois então para de
empurrar a cadeira.
– Eu vou embora – foi a
resposta.
Distraído, o pai não
reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas
coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de
plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo
meteram a chave da despensa? – a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma
tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão
amarrado num barbante.
A calma que baixou então na
sala era vagamente inquietante. De repente, o pai olhou ao redor e não viu o
menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:
– Viu um menino saindo
desta casa? – gritou para o operário que descansava diante da obra do outro
lado da rua, sentado no meio-fio.
– Saiu agora mesmo com uma
trouxinha – informou ele.
Correu até a esquina e teve
tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa,
arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão,
o pedaço de biscoito e – saíra de casa prevenido – uma moeda de 1 cruzeiro.
Chamou-o, mas ele apertou o passinho, abriu a correr em direção à Avenida, como
disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia a distância.
– Meu filho, cuidado!
O ônibus deu uma freada
brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino,
assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço
como a um animalzinho:
– Que susto que você me
passou meu filho – apertava-o contra o peito, comovido.
– Deixa eu descer, papai.
Você está me machucando.
Irresoluto, o pai pensava
agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:
– Machucando, é? Fazer uma
coisa dessas com seu pai.
– Me larga. Eu quero ir
embora.
Trouxe-o para casa e o
largou novamente na sala – tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e
retirar a chave, como ele fizera com a da despensa.
– Fique aí quietinho, está
ouvindo? Papai está trabalhando.
– Fico, mas vou empurrar
esta cadeira.
E o barulho recomeçou.
SABINO, F. In: Para gostar de ler – Crônicas 2. São Paulo: Ática,
1988.
Na crônica, os eventos
narrados associam-se à ideia de
a) omissão paterna.
b) violência familiar.
c) conflito de gerações.
d) dificuldade de comunicação.
2. (Espcex (Aman) 2017) Leia o texto a seguir.
Somente uma bala
Vocês
têm só uma bala na agulha para capturar a atenção dos leitores: as primeiras
linhas de um texto. Se elas não forem capazes de despertar interesse, tchau e
bênção. [...]
O
erro pode estar na escolha dos assuntos. Ou na qualidade dos textos. Ou nas
duas coisas. Os assuntos podem ser atraentes. Se oferecidos por meio de textos
medíocres, não serão lidos. Os textos podem ser gramaticalmente corretos e
contar uma história com começo, meio e fim. Se não forem instigantes, bye, bye,
leitores.
NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer
um jornal diário. São Paulo, Contexto, 2003, p. 86 (fragmento).
De acordo com o fragmento
do texto, de Ricardo Noblat, o autor defende a ideia de que o escritor deve
a) escolher muito bem o
assunto do texto.
b) usar o texto como uma arma.
c) cativar o leitor logo no
início de um texto.
d) saber escrever de acordo
com as normas gramaticais.
e) saber narrar uma história
com início, meio e fim.
3. (Puccamp 2017) Cronista sem assunto
Difícil é ser cronista regular de algum periódico.
Uma crônica por semana, havendo ou não assunto... É buscar na cabeça uma
luzinha, uma palavra que possa acender toda uma frase, um parágrafo, uma página
inteira – mas qual? 1Onde o ímã que atraia uma boa limalha? 2Onde
a farinha que proverá o pão substancioso? O relógio está correndo e o assunto
não vem. Cronos, cronologia, crônica, tempo, tempo, tempo... Que tal falar da
falta de assunto? Mas isso já aconteceu umas três vezes... Há cronista que abre
a Bíblia em busca de um grande tema: os mandamentos, um faraó, o Egito antigo,
as pragas, as pirâmides erguidas pelo trabalho escravo? Mas como atualizar o
interesse em tudo isso? O leitor de jornal ou de revista anda com mais pressa
do que nunca, 3e, aliás, está munido de um celular que lhe coloca o
mundo nas mãos a qualquer momento.
Sim, a internet! O Google! É a salvação. 4Lá vai o cronista caçar assunto
no computador. Mas aí o problema fica sendo o excesso: ele digita, por exemplo,
“Liberdade”, e 5lá vem a estátua nova-iorquina com seu facho de luz
saudando os navegantes, ou o bairro do imigrante japonês em São Paulo, 6ou
a letra de um hino cívico, ou um tratado filosófico, até mesmo o “Libertas quae sera tamen*” dos
inconfidentes mineiros... Tenta-se outro tema geral: “Política”. Aí mesmo é que
não para mais: vêm coisas desde a polis
grega até um poema de Drummond, salta-se da política econômica para a
financeira, chega-se à política de preservação de bens naturais, à política
ecológica, à partidária, à política imperialista, à política do velho
Maquiavel, ufa.
Que tal então a gastronomia, mais na moda do que
nunca? 7O velho bifinho da tia ou o saudoso picadinho da vovó,
receitas domésticas guardadas no segredo das bocas, viraram nomes estrangeiros,
sob molhos complicados, de apelido francês. Nesse ramo da alimentação há também
que considerar o que sejam produtos transgênicos, orgânicos, as ameaças do
glúten, do sódio, da química nociva de tantos fertilizantes. Tudo muito
sofisticado e atingindo altos níveis de audiência nos programas de TV: já
seremos um país povoado por cozinheiros, quer dizer, por chefs de cuisine?**
Temas palpitantes, certamente de interesse público,
estão no campo da educação: há, por exemplo, quem veja nos livros de História
uma orientação ideológica conduzida pelos autores; 8há quem defenda
uma neutralidade absoluta diante de fatos que seriam indiscutíveis. 9Que
sentido mesmo tiveram a abolição da escravatura e a proclamação da República? E
o suicídio de Getúlio Vargas? E os acontecimentos de 1964? Já a literatura e a
redação andam questionadas como itens de vestibular: mas sob quais argumentos o
desempenho linguístico e a arte literária seriam dispensáveis numa formação
escolar de verdade?
Enfim, 10o cronista que se dizia sem
assunto de repente fica aflito por ter de escolher um no infinito cardápio
digital de assuntos. Que esperará ler seu leitor? 11Amenidades?
Alguma informação científica? A quadratura do círculo encontrada pelo futebol
alemão? A situação do cinema e do teatro nacionais, dependentes de
financiamento por incentivos fiscais? Os megatons da última banda de rock que
visitou o Brasil? O ativismo político das ruas? Uma viagem fantasiosa pelo
interior de um buraco negro, esse mistério maior tocado pela Física? A posição
do Reino Unido diante da União Europeia?
12Houve época em que
bastava ao cronista ser poético: o reencontro com a primeira namoradinha, uma
tarde chuvosa, um passeio pela infância distante, um amor machucado, 13tudo
podia virar uma valsa melancólica ou um tango arrebatador. Mas hoje parece que
estamos todos mais exigentes e utilitaristas, e os jovens cronistas dos jornais
abordam criticamente os rumores contemporâneos, valem-se do vocabulário ligado
a novos comportamentos, ou despejam um humor ácido em seus leitores, 14num
tempo sem nostalgia e sem utopias.
É bom lembrar que o papel em que se imprimem
livros, jornais e revistas está sob ameaça como suporte de comunicação. 15O
mesmo ocorre com o material das fitas, dos CDs e DVDs: o mundo digital armazena
tudo e propaga tudo instantaneamente. Já surgem incontáveis blogs de cronistas, onde os autores discutem on-line
com seus leitores aspectos da matéria
tratada em seus textos. A interatividade tornou-se praticamente uma regra: há
mesmo quem diga que a própria noção de autor,
ou de autoria, já caducou, em
função da multiplicidade de vozes que se podem afirmar num mesmo espaço
textual. Num plano cósmico: quem é o autor do Universo? Deus? O Big Bang? A
Física é que explica tudo ou deixemos tudo com o criacionismo?
Enquanto não chega seu apocalipse profissional, o
cronista de periódico ainda tem emprego, o que não é pouco, em tempo de crise.
Pois então que arrume assunto, e um bom assunto, para não perder seus leitores.
Como não dá para ser sempre um Machado de Assis, um Rubem Braga, um Luis
Fernando Veríssimo, há que se contentar com um mínimo de estilo e uma boa
escolha de tema. A variedade da vida há de conduzi-lo por um bom caminho; é
função do cronista encontrar algum por onde possa transitar acompanhado de
muitos e, de preferência, bons leitores.
(Teobaldo Astúrias, inédito)
* Liberdade ainda que tardia.
** chefes de cozinha.
Considerada a situação em
que está inserido, o segmento que NÃO está empregado em sentido figurado é:
a) “Onde o ímã que atraia uma boa limalha?” (ref. 1)
b) “lá vem a estátua nova-iorquina com seu facho de luz saudando os
navegantes.” (ref. 5)
c) “Houve época em que bastava ao cronista ser poético.” (ref. 12)
d) “tudo podia virar uma valsa melancólica ou um tango arrebatador.” (ref.
13)
e) “o cronista que se dizia sem assunto de repente fica aflito por ter de
escolher um no infinito cardápio digital de assuntos.” (ref. 10)
4. (Unesp 2017) Para responder à questão a seguir, leia a crônica “Anúncio de João Alves”, de Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), publicada originalmente em 1954.
1Figura
o anúncio em um jornal que o amigo me mandou, e está assim redigido:
À procura de uma besta. – A partir de 6 de outubro do ano cadente,
sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintes característicos: calçada e
ferrada de todos os membros locomotores, um pequeno quisto na base da orelha
direita e crina dividida em duas seções em consequência de um golpe, cuja
extensão pode alcançar de quatro a seis centímetros, produzido por jumento.
Essa
besta, muito domiciliada nas cercanias deste comércio, é muito mansa e boa de
sela, e tudo me induz ao cálculo de que foi roubada, assim que hão sido falhas todas
as indagações.
Quem,
pois, apreendê-la em qualquer parte e a fizer entregue aqui ou pelo menos
notícia exata ministrar, será razoavelmente remunerado. Itambé do Mato Dentro,
19 de novembro de 1899. (a) João Alves Júnior.
2Cinquenta
e cinco anos depois, prezado João Alves Júnior, tua besta vermelho-escura,
mesmo que tenha aparecido, já é pó no pó. E tu mesmo, se não estou enganado, repousas
suavemente no pequeno cemitério de Itambé. Mas teu anúncio continua um modelo
no gênero, se não para ser imitado, ao menos como objeto de admiração literária.
3Reparo
antes de tudo na limpeza de tua linguagem. 4Não escreveste apressada
e toscamente, como seria de esperar de tua condição rural. Pressa, não a
tiveste, pois o animal desapareceu a 6 de outubro, e só a 19 de novembro recorreste
à Cidade de Itabira. Antes, procedeste a indagações. Falharam. 5Formulaste
depois um raciocínio: houve roubo. Só então pegaste da pena, e traçaste um belo
e nítido retrato da besta.
6Não
disseste que todos os seus cascos estavam ferrados; preferiste dizê-lo “de
todos os seus membros locomotores”. Nem esqueceste esse pequeno quisto na
orelha e essa divisão da crina em duas seções, que teu zelo naturalista e
histórico atribuiu com segurança a um jumento.
Por
ser “muito domiciliada nas cercanias deste comércio”, isto é, do povoado e sua
feirinha semanal, inferiste que não teria fugido, mas antes foi roubada. 7Contudo,
não o afirmas em tom peremptório: “tudo me induz a esse cálculo”. Revelas aí a
prudência mineira, que não avança (ou não avançava) aquilo que não seja a
evidência mesma. É cálculo, raciocínio, operação mental e desapaixonada como
qualquer outra, e não denúncia formal.
Finalmente
– deixando de lado outras excelências de tua prosa útil – a declaração final:
quem a apreender ou pelo menos “notícia exata ministrar”, será “razoavelmente remunerado”.
Não prometes recompensa tentadora; não fazes praça de generosidade ou largueza;
acenas com o razoável, com a justa medida das coisas, que deve prevalecer mesmo
no caso de bestas perdidas e entregues.
8Já
é muito tarde para sairmos à procura de tua besta, meu caro João Alves do
Itambé; entretanto essa criação volta a existir, porque soubeste descrevê-la
com decoro e propriedade, num dia remoto, e o jornal a guardou e alguém hoje a
descobre, e muitos outros são informados da ocorrência. Se lesses os anúncios
de objetos e animais perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. 9Já
não há essa precisão de termos e essa graça no dizer, nem essa moderação nem
essa atitude crítica. Não há, sobretudo, esse amor à tarefa bem-feita, que se
pode manifestar até mesmo num anúncio de besta sumida.
(Fala, amendoeira, 2012.)
a) debruçar-se sobre um antigo
anúncio de besta desaparecida.
b) esforçar-se por ocultar a
condição rural do autor do anúncio.
c) duvidar de que o autor do
anúncio seja mesmo João Alves.
d) empregar o termo “besta” em
sentido também metafórico.
e) acreditar na possibilidade
de se recuperar a besta de João Alves.
5. (Cftrj 2017) Leia o texto com atenção e,
em seguida, responda à questão proposta:
Conversas iluminadas
Tem
coisa mais xarope do que faltar luz? 1Outro dia estava terminando de
escrever um texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões começaram
a espocar e foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde. A luz só voltou às
20h. Fiquei com aquele pedaço de dia sem poder trabalhar. Então bati à porta do
quarto da minha filha e percebi que ela também estava à toa, sem conseguir
desfrutar da companhia inseparável do seu laptop. Ficamos as duas ali nos
queixando do desperdício de tempo, até que nos jogamos em sua cama e começamos
a conversas. Que jeito.
2Conversamos
sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade
dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá até aqui. E ela me divertiu com
umas ideias absurdas que só podiam mesmo sair de sua cabeça inventiva, e eu ri
tanto que ela se contagiou e riu muito também de si mesma. Então ela me falou
sobre uma peça de teatro que foi assistir quando eu estive viajando, e ela
disse que eu teria adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator
voltar a Porto Alegre.
Aí
eu contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar com ela no
teatro, e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me apresentar o novo
disco da Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu de que existe muito
preconceito com essa cantora que, em sua opinião, é revolucionária, e eu
escutei umas sete músicas e não gostei tanto assim, mas reconheci ali um
talento que eu estava mesmo desprezando. Então foi a 3minha vez de
tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e concluí que a
careta era eu. 4E rimos de novo, e conversamos mais um tanto, 5e
então fomos para a cozinha comer um resto de salada de fruta que estava a ponto
de estragar naquela geladeira sem vida, já que a luz ainda não havia voltado.
Será
que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde
tão luminosa.
Quando
por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e voltou minha filha
para seu Facebook, 6e só o que se escutava pela casa era o barulho
das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos com quem? Com o
universo alheio.
E
tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar luz. É
ficarmos reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem está ao nosso
lado. Se é preciso que a energia elétrica seja cortada para resgatar a energia
humana, que seja, então. Não em hospitais, não em escolas, mas dentro de casa,
uma horinha por semana: não haveria de causar um estrago tão grande. 7Se
acontecer de novo, prometo não reclamar para a CEEE*, desde que não demore
tanto para voltar a ponto de estragar os alimentos na geladeira e que seja
suficiente para me alimentar da clarividência e brilho de um bom papo.
MEDEIROS, Martha. Porto Alegre: Jornal
Zero Hora, 15 de dez. 2013.
*Companhia Estadual de
Energia Elétrica – Rio Grande do Sul
Na crônica “Conversas
Iluminadas” a frase inicial apresenta uma declaração em linguagem coloquial
“Tem coisa mais xarope do que faltar luz?”. Outro exemplo de linguagem coloquial
se encontra na alternativa:
a) “Conversamos sobre os
sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade dela...”
(ref. 2)
b) “Outro dia estava
terminando de escrever um texto e não consegui concluí-lo (...)” (ref. 1)
c) “... minha vez de tocar pra
ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e concluí que a careta era
eu.” (ref. 3)
d) “... e só o que se escutava
pela casa era o barulho das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos
com quem?” (ref. 6)
6. (IFSC 2017) O resto é silêncio
Miriam Leitão*
1Ouvi o silêncio e o que
ele me disse foi devastador. 2O silêncio é pior do que as palavras duras,
porque é possível instalar nele todos os medos. É o nada e nele os temores
desenham fantasias que podem nos aprisionar.
Prefiro palavras e que elas
explicitem o rancor e os ressentimentos, e que façam cobranças, e que sejam
implacáveis. O silêncio será pior porque ele é o terreno do desconhecido, do
que se imagina, e do que se teme.
Tente ficar em silêncio por mais
tempo que o descanso e veja que ele crescerá sobre você. Imagine o que é ser
posto diante do silêncio: você e ele e nada mais. 3Os minutos passam
como se fossem horas. 4As horas imitam os dias. O tempo se alonga,
aprisiona e oprime.
Ele pode ser o som da calma, da paz
e do descanso. Mas pense no silêncio da pergunta sem resposta, do carinho não
correspondido, do 5apelo sem clemência, da ofensa deliberada, da correspondência
que não chega. Pense no silêncio como o avesso do diálogo, como um grande e vasto
espelho no qual você vê suas impossibilidades e seus erros. E a espera sem
data.
6Há silêncios
libertadores. Ao fim de uma grande tensão, quando, em ambiente acolhedor, você
entrega seus ouvidos à calma. 7Há silêncios que aprisionam quando, em
ambiente hostil, você tenta inutilmente buscar os sons que informem e situem. Bom
é o silêncio que acolhe, acaricia e pacifica, mas tantas vezes é preciso lidar
com o que nega, inquieta, rejeita.
8A noite apagou todos os
sons, fez dormir as criaturas, acalmou o mundo, mas você inquieto acorda insone
e tem como companhia para os ouvidos, o nada. Você vasculha o espaço em busca
de algo e não há o que o socorra. É do que falo e o que temo: o nada áspero, o
nada negativo, o nada nada. Fuja desse silêncio, porque ele desengana os apaixonados,
inquieta os inseguros, adoece os aflitos.
Há o bom silêncio, como na manhã de
um dia encapsulado no tempo, em que 9o sol já iluminou a paisagem
verde, você abre a janela sobre o vale, confere os telhados terrosos e descansa
os olhos sobre a amplitude. 10Talvez algum pássaro emita um som, mas
isso só vai confirmar a paz que cerca, acaricia, acalma. O mesmo nada e abstrato
pode ferir ou enternecer. Pode ser o descanso ou o desassossego. Eu escolheria
para oferecer aos amigos que tenho o melhor dos silêncios, o da esperança da
proteção contra os ruídos de um tempo sem trégua. E assim, juntos, ficaríamos
em silêncio calmo à espera do recomeço.
*Miriam Leitão é jornalista e escritora. Escreve crônicas aos sábados
como colaboradora do Blog. Sábado, 27/08/2016, às 09:52.
Ainda considerando o texto, assinale a alternativa CORRETA.
a) Nas orações “A noite apagou todos os sons” (ref. 8) e “há
silêncios que aprisionam” (ref. 7), não há sujeito.
b) Em
“o sol já iluminou a paisagem verde” (ref. 9), há dois substantivos.
c) Em
“Os minutos passam como se fossem horas” (ref. 3), a palavra em destaque
estabelece uma relação de causa e efeito entre as orações.
d) Em
“apelo sem clemência” (ref. 5), o vocábulo em destaque poderia ser
substituído por “urgência”, sem que houvesse alteração de sentido.
e) Ao afirmar que “as horas imitam os dias” (ref. 4), a autora faz
referência aos dias que passam depressa demais em sua vida.
7. (Ufrgs 2016) Leia a crônica O apagar da velha chama, de Luis
Fernando Verissimo.
Eu, você, nós dois, um
cantinho, um violão... Da janela, mesmo em Porto Alegre, via-se o Corcovado, o
Redentor (que lindo!) e um barquinho a deslizar no macio azul do mar. Tinha-se,
geralmente, de vinte anos para menos quando, em 1958, chegou a Elizete com
abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim e João Gilberto com o amor, o
sorriso, a flor e aquela batida diferente, mas que era bossa-nova e era muito
natural, mesmo que você não pudesse acompanhar e ficasse numa nota só, porque
no peito dos desafinados também batia um coração, lembra? Na vida, uma nova
canção, um doce balanço. Era carioca, era carioca, certo, mas a juventude que
aquela brisa trazia também trazia pra cá e daqui se via a mesma luz, o mesmo
céu, o mesmo mar, milhões de festas ao luar, e sempre se podia pegar um Electra
e mandar descer no Beco das Garrafas, olha que coisa mais linda. Queríamos a
vida sempre assim, si, dó, ré, mi, fá, sol, muito sol, e lá. Mas era preciso
ficar e trabalhar, envelhecer, acabar com esse negócio de Rio, céu tão azul,
ilhas do sul, muita calma pra pensar e ter tempo pra sonhar, onde já se viu?
Até um dia, até talvez, até quem sabe. O amor, o sorriso e a flor se
transformavam depressa demais. Quem no coração abrigou a tristeza de ver tudo
isso se perder, para não falar nos seus vinte anos, nos seus desenganos e no
seu violão, nem pode dizer ó brisa fica, porque nem mais se entende, nem mais
pretende seguir fingindo e seguir seguindo. A realidade é que sem ela não há
paz, não há beleza, é só a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não
sai. E dê-lhe rock.
Sobre a crônica, considere
as seguintes afirmações.
I. O autor, partindo de sua
experiência pessoal, como é próprio da crônica, recupera o momento histórico de
uma geração, através da música brasileira.
II. O autor constrói a
crônica a partir de diversas letras de músicas, mostrando como elas fazem parte
de sua vivência de juventude.
III. A melancolia, ao final
da crônica, está ligada ao envelhecimento e à percepção de que aquele momento
não volta mais.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas III.
c) Apenas I e II.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.
8. (Enem 2016) Você pode não acreditar
Você pode não acreditar:
mas houve um tempo em que os leiteiros deixavam as garrafinhas de leite do lado
de fora das casas, seja ao pé da porta, seja na janela.
A gente ia de uniforme azul
e branco para o grupo, de manhãzinha, passava pelas casas e não ocorria que
alguém pudesse roubar aquilo.
Você pode não acreditar:
mas houve um tempo em que os padeiros deixavam o pão na soleira da porta ou na
janela que dava para a rua. A gente passava e via aquilo como uma coisa normal.
Você pode não acreditar:
mas houve um tempo em que você saía à noite para namorar e voltava andando
pelas ruas da cidade, caminhando displicentemente, sentindo cheiro de jasmim e
de alecrim, sem olhar para trás, sem temer as sombras.
Você pode não acreditar:
houve um tempo em que as pessoas se visitavam airosamente. Chegavam no meio da
tarde ou à noite, contavam casos, tomavam café, falavam da saúde, tricotavam
sobre a vida alheia e voltavam de bonde às suas casas.
Você pode não acreditar:
mas houve um tempo em que o namorado primeiro ficava andando com a moça numa
rua perto da casa dela, depois passava a namorar no portão, depois tinha
ingresso na sala da família. Era sinal de que já estava praticamente noivo e
seguro.
Houve um tempo em que havia
tempo.
Houve um tempo.
SANTANNA, A. R. Estado de Minas, 5 maio 2013
(fragmento).
Nessa crônica, a repetição
do trecho “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que...” configura-se
como uma estratégia argumentativa que visa
a) surpreendem leitor com a
descrição do que as pessoas faziam durante o seu tempo livre antigamente.
b) sensibilizar o leitor sobre
o modo como as pessoas se relacionavam entre si num tempo mais aprazível.
c) advertir o leitor mais
jovem sobre o mau uso que se faz do tempo nos dias atuais.
d) incentivar o leitor a
organizar melhor o seu tempo sem deixar de ser nostálgico.
e) convencer o leitor sobre a
veracidade de fatos relativos à vida no passado.
9. (Enem 2ª aplicação 2016) Apesar de
Não lembro quem disse que a
gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar daquilo que é
gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a
gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la.
Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a
convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então
descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo
casca-grossa quando trata os próprios funcionários. E ela não é apenas segura e
determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele
ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e
que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta
de cachorro, e agora? Agora, convoquem o amor para resolver essa encrenca.
MEDEIROS, M. Revista O Globo, n. 790, 12 jun.
2011 (adaptado).
Há elementos de coesão
textual que retomam informações no texto e outros que as antecipam. Nos
trechos, o elemento de coesão sublinhado que antecipa uma informação do texto é
a) “Gostar daquilo que
é gostável é fácil [...]”.
b) “[...] tudo isso a
gente tem em estoque [...]”.
c) “[...] na hora em que
conhece uma pessoa [...]”.
d) “[...] resolve conquistá-la.”
e) “[...] para resolver essa
encrenca.”
10. (Enem 2ª aplicação 2016) Do amor à pátria
São doces os caminhos que
levam de volta à pátria. Não à pátria amada de verdes mares bravios, a mirar em
berço esplêndido o esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais íntima,
pacífica e habitual – uma cuja terra se comeu em criança, uma onde se foi menino
ansioso por crescer, uma onde se cresceu em sofrimentos e esperanças plantando
canções, amores e filhos ao sabor das estações.
MORAES, V. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987.
O nacionalismo constitui
tema recorrente na literatura romântica e na modernista. No trecho, a
representação da pátria ganha contornos peculiares porque
a) o amor àquilo que a pátria
oferece é grandioso e eloquente.
b) os elementos valorizados
são intimistas e de dimensão subjetiva.
c) o olhar sobre a pátria é
ingênuo e comprometido pela inércia.
d) o patriotismo literário
tradicional é subvertido e motivo de ironia.
e) a natureza é determinante
na percepção do valor da pátria.
11.
(Insper 2014)
Nesse excerto, ao mencionar o emprego do
sinal grave no título da novela, o irreverente colunista
a) ridiculariza o emprego
equivocado do sinal indicador de crase no título da novela.
b) deixa subentendido que a
presença de crase no título da trama é surpreendente.
c) refere-se ao fato de o título
da trama desconsiderar as regras do novo Acordo Ortográfico.
d) defende que o emprego do
sinal grave indicador de crase seja uma opção estilística.
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