Acontecimentos extraordinários davam-se na Europa nos primeiros anos do século XIX, decorrentes da catástrofe que, em 1789, abalara os fundamentos do novo regime e abrira nova ordem política em todo o ocidente do antigo mundo. Filho genuíno da Revolução, em tudo o que esta possuía de grande e nefasto, com as mais poderosas qualidades de homem de guerra e de homem político, servido pelo prestígio invencível do seu gênio, glorificado por uma fé absoluta no destino, tornara-se Napoleão Bonaparte o senhor da Europa. O único povo que afrontava o seu poderio era o inglês, abrigado na sua condição insular [de ilha], inacessível às avalanches formidáveis que ditavam a lei no continente.
Contra essa única nação insubmissa, ideou o imperador o famoso bloqueio
continental, decretado em Berlim em 1806, e imposto a toda a Europa marítima.
Portugal ainda quis contemporizar entre a França e a Inglaterra, mas Bonaparte
não trepidou ante as indecisões do governo português: Em acordo com a Espanha
[já invadida e sob o governo de seu irmão, José Bonaparte], não trepidou ante
as indecisões, o governo português e decretou a extinção da monarquia,
determinando a imediata invasão do reino por uma coluna do exército imperial,
sob as ordens do general Junot. O governo de Lisboa pensou ainda em remediar o
desastre, começando a cumprir algumas das determinações do decreto de Berlim,
mas teve logo notícias de que os franceses marchavam aceleradamente sobre
Portugal, a caminho de Lisboa. Em tão apertada conjuntura, o único expediente possível
foi a fuga da família real, sob a iminência de ser apanhada pelo exército
invasor. [Narra um historiador que, no meio de todo o pavor e insânia, a única
pessoa consciente era a rainha D. Maria Louca (D. Maria 1ª, a mesma que mandou
enforcar Tiradentes), a qual gritava continuamente: "Estamos fugindo...
mas por que estamos fugindo? Por quê?"].
No dia 29 de novembro de 1807, a família real, acompanhada de um imenso
séquito de fidalgos, de altos funcionários, e da tropa que havia disponível na
capital, embarca atropeladamente para o Brasil. No dia seguinte, o general
Junot entrava em Lisboa, ainda em tempo de aprisionar alguns navios do comboio
real, mais retardatários na partida, e que não tiveram oportunidade de escapar.
A viagem foi cheia de peripécias, devidas ao pavor que se apoderou dos
fugitivos. Por último, ainda, fortes temporais dispersaram a frota, sendo parte
dela obrigada a aportar na Bahia, onde a corte desembarcou. A 24 de janeiro de
1808. Quatro dias depois, o príncipe regente publicava um decreto franqueando
os portos do Brasil ao comércio de todas as nações amigas [como só havia duas
potências hegemônicas, a França e a Inglaterra, e como Portugal se achava em
beligerância com a primeira, na prática, os portos foram abertos somente à Inglaterra,
por exigência desta, que estava interessada em instalar uma base no mar da
Prata]. Apesar dos esforços dos baianos para que ali se fixasse a sede do
governo, o príncipe prosseguiu para o Rio de Janeiro, aonde chegou a sete de
março de 1808.
Era, então, o vice-rei do Brasil, Marcos de Noronha e Brito, o conde de
Arcos [que nove anos depois participou da repressão à Revolução Pernambucana].
Incentivada por ele, toda a população foi às ruas para receber festivamente a
corte, num entusiasmo indescritível que durou vários dias. Reviveram, naquele
momento, as esperanças dos brasileiros, que sonhavam com a emancipação, como se
os sucessos que se passavam já fossem alguma coisa mais que um prenúncio de
independência. O príncipe regente organizou logo seu ministério. Enorme tarefa
se impunha aos auxiliares do príncipe. Organizar toda a administração nos seus
diversos ramos: criar e prover tribunais, secretarias e repartições anexas,
arquivos, escolas; fundar a imprensa, estabelecer fábricas e uma infinidade de
outros serviços. Isso tudo não era obra para apenas uma geração, muito menos
para os homens chamados ao governo, dentre os quais, a única cabeça pensante
era a de Rodrigo Coutinho, Conde de Linhares [Linhares, diplomata e estadista,
vinha de Portugal com um apreciável "curriculum" e no Brasil, entre
outras coisas, deu início à construção de uma Siderúrgica, criou a intendência
da polícia, foi chanceler e Ministro da Guerra, morrendo quatro anos depois de
sua chegada ao Brasil].
No dia 1º de maio de 1808, o novo governo dirigia um manifesto às nações
da Europa, explicando os motivos que levaram Portugal a declarar guerra à
França, "erguendo a voz no seio do novo império que vinha criar na
América." E, como ato de hostilidade e desforço, foi expedido um corpo do
exército contra a Guiana Francesa [na divisa do rio Oiapoque], sob o comando do
coronel Manuel Marques, apoiado por uma flotilha comandada pelo capitão James
Jeo, com quinhentos homens de desembarque. Em fins de 1808, essas forças
chegavam ao rio Oiapoque e, em 12 de janeiro de 1809, ao cabo de pouco mais de
um mês de vigorosa resistência, o governador da possessão francesa capitulava,
retirando-se para a Europa. Só em 1817, em virtude da Convenção de Paris, a
Guiana era restituída à França.
Novas lutas no sul
A paz de 1801, entre as cortes de Lisboa e Madri, não durara mais que a
do Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1777. Não obstante o novo pacto, o
governo português, muito solícito, foi cuidando de guarnecer as fronteiras do
sul, convencido de que não poderia tranquilizar-se ante o espírito irrequieto e
as pretensões de posse daquela parte, insinuadas pelos colonos espanhóis. O Rio
Grande do Sul, com a afluência de imigrantes, progrediu rapidamente e, em 1807,
já formava uma capitania geral. Por outro lado, os excepcionais acontecimentos
que ocorriam na Europa continuavam a repercutir na América. Assim que souberam
da deposição da dinastia reinante na Espanha, levantaram-se os colonos do rio
da Prata, como os de outras possessões espanholas, uns reconhecendo a Junta de
Sevilha, constituída em nome do rei deposto, Fernando VII; outros preferindo a
independência imediata das colônias.
O governador provisório da Província Oriental do Uruguai, general Élio
[sic], manifestando-se contra a atitude hostil dos independentes radicais de
Buenos Aires, e pondo fim a todas as hesitações, declarou-se realista
intransigente, pelo que a Regência da Espanha o investiu do governo de todo o
vice-reinado da Prata. Os independentes declararam guerra a Élio e este, com
uma esquadrilha, vai bloquear a capital argentina. Do Brasil, o governo do
príncipe regente [D. João] intervém e consegue um acordo entre o general Élio e
a Junta de Buenos Aires. Os realistas de Élio levantam, pois, o bloqueio e os
republicanos independentes saem da Província Oriental. Mas havia também nesta
província um forte partido infenso à realeza, chefiado por José Gervásio
Artigas. Este caudilho [chefe, ditador, o mesmo que "coronel" no
nordeste] sitia Montevidéu e Élio pede auxílio ao governo do Rio de Janeiro.
Diogo de Sousa, que governava o Rio Grande do Sul, invade a Banda Oriental.
Nesta emergência, a mediação do ministro inglês Strangford resultou em um novo
acordo entre Élio e Buenos Aires e, em 1812, retirou-se o exército português de
ocupação.
As agressões contínuas com que os caudilhos do Prata, principalmente
Artigas, inquietavam o Rio Grande, fizeram com que o príncipe regente decidisse
mandar o general Lecor, com forças de terra e de mar, apoderar-se de toda a
província do Uruguai. Por sua vez, os republicanos argentinos invadem a dita
província, onde se travam repetidos combates, com vantagens para os
portugueses. Com efeito, Lecor apodera-se de Montevidéu e, em seguida, de quase
toda a província. O destemido Artigas, porém, não esmorecera e, dentro em
pouco, reforçadas as suas legiões, tomava a ofensiva contra os invasores, até
que, em 22 de janeiro de 1820, na batalha de Taquarembó, foram esmagadas as
forças do temeroso caudilho, sendo este obrigado a se refugiar em Assunção do
Paraguai [onde permaneceu até a sua morte, em 1850].
A vitória das armas portuguesas tinha como consequência imediata a
vantagem desde há muito sonhada pela monarquia, qual seja, a incorporação da
Banda Oriental ao Brasil, em 31 de julho de 1821, sob o nome de Província
Cisplatina. Esta anexação durou muito pouco, pois a aversão entre portugueses e
espanhóis permaneceu profunda e irreconciliável e o ato de força em nada
contribuiu para uma aproximação entre as duas alas. Os republicanos orientais
só esperavam ocasião propícia para reconquistar a soberania perdida. Quatro
anos depois, em abril de 1825, trinta e dois patriotas, tendo à frente o heroico
Juan Antonio Lavalleja [militar e político] levantam, em Soriano o seu grito da
independência. A esse punhado de bravos, imediatamente se juntam outros, e logo
depois, as forças de José Frutuoso Rivera [militar e político
"colorado" teve forte influência na vida do país que veio a se
formar, do qual foi o primeiro presidente].
O governo de Buenos Aires corre em socorro dos separatistas do Uruguai e
as forças imperiais do príncipe regente começam a sofrer derrotas. A
subsequente vitória de Sarandi anima os argentinos a proclamar a incorporação
da Banda Oriental às Províncias Unidas do Prata. A essa altura, pois, o governo
do Rio de Janeiro, viu-se obrigado a declarar guerra aos argentinos,
seguindo-se as peripécias dessa luta quase fratricida, até que a batalha de
Ituzaingo. Porém, os desastres sofridos no estuário do Prata pela esquadra
imperial, impuseram a celebração da paz. A independência da república do
Uruguai foi reconhecida pelos signatários do tratado e, a 24 de abril de 1829 e
o exército imperial evacuava Montevidéu. Essas lutas, herança da injustificável
política de D. João VI, geraram entre brasileiros e platinos certa animosidade
que só o tempo deveria extinguir.
A raiz de nossos males
O entusiasmo dos brasileiros pela presença da família real foi logo
arrefecendo. Inegavelmente, trasladação da corte para o Rio de Janeiro
importava alguns proveitos à antiga colônia, principalmente na ordem material.
Bastaria recordar que datam daquela época muitas das grandes instituições e dos
melhores serviços que são hoje citados como indicativos da nossa vitalidade de
povo. A cidade do Rio de Janeiro, particularmente, desenvolveu-se e prosperou
mais no período de 1808 a 1820 do que durante o regime a que estivera sujeita
até então. Na esfera moral, entretanto, a situação geral do país ia, em breve,
acusando com maior intensidade os sintomas dos grandes males da colônia,
principalmente naquilo que lhe era mais característico, ou seja, a rivalidade
entre portugueses e brasileiros, revelada desde o segundo século de domínio,
mas que agora, com a presença da corte, parecia mais profunda e violenta.
Vejamos por que: com a vinda da família real, emigraram para o Brasil,
em quantidade, portugueses arruinados com a invasão da península. Legiões de
serventuários, de letrados, de militares, de favoritos e protegidos de toda a
ordem, enchiam as repartições e, para acomodar todo esse mundo de inúteis, a
corte ia multiplicando as sinecuras [emprego sem trabalho], sem dissimular que
os cargos criados se destinavam aos reinóis e não aos nativos. Com semelhante
atitude, a corte fazia sua escolha, pois, enquanto os filhos da terra eram
excluídos dos empregos públicos e tratados, ainda, como colonos, ou como raça
inferior ou conquistada, crescia nos nativos a consciência de que o sonho da
pátria futura era incompatível com aquele estado de coisas, já que o próprio governo,
mergulhado naquele mar de irregularidades, se mostrava alheio aos destinos da
população não privilegiada.
Em todo o país, pois, iam ficando dois partidos em oposição e, como era
de se esperar, em pouco, a discórdia se alastrou até mesmo no exército, entre
oficiais brasileiros e portugueses. Em algumas capitanias não faltavam
propagandistas francamente liberais e até republicanos, já esquecidos dos
castigos aplicados por ocasião da conjuração mineira. Em diversos pontos do
país, começaram a aparecer aqui, como em toda a América, a disputa entre o
espírito jovem da renovação, contra o velho despotismo da metrópole, que tanto
havia pesado sobre as populações.
Aos brasileiros, não passava despercebido o cuidado com que a corte
procurava isolar o Brasil do incêndio geral de que era tomada toda a América
Latina após a invasão napoleônica à Espanha, isolamento difícil, pois era um,
entre os muitos estímulos que impeliram os patriotas a tramar contra a anomalia
das condições em que se encontravam, oprimidos por aqueles mesmos que lhes
haviam anunciado os esplendores de uma nova era. Foi Pernambuco a capitania
onde a situação dos ânimos primeiro se concretizou em protesto formal. Havia
ali sociedades secretas, das quais participavam militares brasileiros, quase
todos republicanos, fortemente instigados por Domingos José Martins e outros
entusiastas da independência.
O Governador da capitania, Miranda Montenegro, teve motivos para ir se
impressionando com os boatos e as denúncias que lhe levavam e chegou, mesmo, a
receber ordens do Rio para estar vigilante e reprimir quaisquer veleidades do
exaltados, cuidando, em particular, da audácia desafrontada dos militares.
Todavia, o desastrado governador, em vez de acalmar os ânimos com sábias
medidas, cometeu a leviandade de fazer lavrar uma ordem do dia lembrando às
tropas os seus deveres de fidelidade ao Rei e de amor à paz pública. Tudo isso,
sem dissimular sua simpatia para o partido dos portugueses. Como era de se
esperar, com essa ordem do dia, agravou-se e muito a situação no Recife e o
Governador, acuado, viu-se na necessidade de assumir uma atitude mais radical,
diante da qual a explosão se tornou inevitável.
Revolução pernambucana de 1817
É preciso reconhecer que, mesmo entre os brasileiros, havia duas
correntes diferentes de opinião, embora ambas tivessem como finalidade a
emancipação política. Uma parte desejava a independência como um fim em si; a
outra, mais radical, pretendia que essa separação se fizesse com a abolição da
monarquia e a proclamação de uma república. Os primeiros não queriam se
desiludir das esperanças que a vinda da corte havia suscitado, ao passo que os
republicanos não perdiam o ensejo de aproveitar todos os erros e abusos do
governo para demonstrar como a realeza se divorciava, cada vez mais, dos
interesses do povo brasileiro. Em Pernambuco, aquela infeliz ordem do dia
inspirada pelo Governador vinha ao mesmo instante em que o príncipe regente
assumia o trono de Portugal, com o nome de D. João VI, devido ao falecimento da
rainha D. Maria I, ocorrido em 1816 e, desse fato, os radicais procuravam tirar
partido para aumentar a antipatia existente entre brasileiros e
portugueses.
Em princípios de 1817, a situação naquela Capitania se tornou tão
complicada que o Governador não pôde mais recuar da atitude que havia assumido
e, de acordo com os chefes da ala portuguesa, mandou prender tanto alguns
paisanos exaltados como os oficiais brasileiros que haviam se comprometido
pelas suas ideias contrárias ao governo. Com esta medida, explodiu a revolta
que já era iminente, e que foi agravada pela prepotência das autoridades em
relação aos brasileiros. Para efetuar algumas das prisões ordenadas, o
brigadeiro Barbosa de Castro reuniu a oficialidade sob o seu comando e começou
a insultar a oficialidade sob seu comando, da presença de seus subordinados,
taxando-os de traidores. Inflamado por esse desacato, o capitão Barros Lima
desembainha a espada e arremete contra o general, matando-o quase que
imediatamente.
Aquela trágica cena foi o sinal de levante. O Governador quis reagir,
mandando prender os criminosos, mas o movimento cresceu com espantosa rapidez.
A parte brasileira da guarnição, que até agora havia se mantido longe da
conspiração, juntou- se aos oficiais revoltosos e o povo, ignorando as consequências,
confraternizou-se com a tropa. O imprudente Governador, responsável indireto
por aquele desfecho, reuniu, então, algumas forças que ainda se mantinham fiéis
a ele e refugiou-se na fortaleza de Brum, ação que resultou inútil, pois na
noite de sete de março de 1817 era obrigado se render. Em seguida, seguiu para
o Rio de Janeiro onde, ao chegar, foi preso incomunicável numa praça de guerra.
Os revolucionários organizaram, imediatamente, uma Junta de Governo, auxiliada
por um Conselho de Notáveis. Teotônio Jorge, Domingos Martins e o padre João
Ribeiro tornaram-se os chefes da revolução.
Uma vez que se tornaram senhores de Pernambuco, trataram de propagar o
movimento, expedindo emissários para diversas capitanias. Para o norte, logo a
Paraíba e o Rio Grande aderiram, enquanto que, para o sul, a adesão recebida
foi a de Alagoas. Nas outras capitanias as coisas não correram tão bem. No
Ceará, o padre Alencar era preso; na Bahia, o padre Roma [José Inácio Ribeiro
de Abreu e Lima] foi mais infeliz, pois, depois de preso e submetido a um
julgamento sumário, recebeu a pena de morte sendo fuzilado em 29 de março de
1817. O Governador da Bahia, conde dos Arcos [aquele mesmo que era vice-rei
quando a corte chegou ao Rio, em 1809] operou energicamente contra a
insurreição, fazendo cair sobre Pernambuco forças de terra e mar. As forças de
terra, sob o comando do marechal Cogominho, chegaram vitoriosas a Pernambuco,
cuja capital já se achava bloqueada por uma esquadrilha, cortando a rota de
fuga. Em breve, Recife capitula e as últimas legiões republicanas fogem para o
interior da capitania.
Domingos Teotônio Jorge ainda tenta recompor suas forças debandadas, mas
já era impossível, pois a revolução estava completamente perdida. Começaram,
então, as perseguições, a impiedade que comoveram a própria alma de muitos dos
algozes. Os revolucionários fugitivos foram capturados e submetidos à justiça
de comissões militares, seguindo-se outro julgamento na alçada civil, que se
mostrou ainda mais inclemente. Em várias partes, ergueu-se o patíbulo e as
execuções horrorizaram a tal ponto as populações que os próprios executores de
tais excessos estremeceram de espanto, e apelaram para a piedade do Rei. Em
seis de fevereiro de 1818 D. João VI é coroado e concede anistia geral a todos
aqueles que ainda não haviam sido executados.
Disponível em http://www.seruniversitario.com.br
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